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Em meio a uma mesa de um típico pub londrino , só que em Buenos Aires, com três canecas de chope e quatro pessoas, um homem de 25 anos já um pouco bêbado, israelense, pede para contar uma história que ocorreu com ele anos atrás, em seu país de origem; os outros três, brasileiros, se calam e escutam com atenção o israelense, que num misto de inglês, espanhol e português, começa sua história *:
Foi há alguns anos atrás isso, como já falei. Em Israel , não sei se vocês sabem, mas o serviço militar é obrigatório, tanto pra homem quanto pra mulher. Chega os 18 anos, nós já vamos com uma certa preparação psicológica para ficar um ano servindo, ainda mais se você não gosta e nem vê perspectiva no exército, como muitas vezes acontece. Mas nãó era o meu caso, eu me apresentei tranquilo, queria ser piloto de tanque - nós , pelo menos, temos liberdade para escolher nossa função dentre as apresentadas por eles.
Definido o quartel, me apresentei, manifestei logo meu desejo de ser piloto, eles me encaminharam para o treinamento, que foi bem dentro do que eu esperava, bastante duro mas recompesador, pois me orgulhava servir ao meu país e ao meu povo. Depois de alguns meses, independente da função escolhida, somos mandados para algum quartel ou base no país para ficarmos, se tudo ocorrer bem, até completar um ano de serviço obrigatório; pode-se ficar mais, mas são poucos os que querem, e eu não queria, buscava fazer uma faculdade.
Como é sabido por vocês e por quase todo o planeta, vivemos em uma terra de que está permanentemente em guerra; os conflitos sempre se renovam, as batalhas nuncam cessam por completo e a tensão presente em todo o território é alta; por outro lado, somos já tão acostumados a essa tensão que muitas vezes banalizamos certas coisas, como a morte de uma pessoa, por exemplo, já que desde pequenos nos acostumamos que isso aconteça com conhecidos, pessoas próximas - embora
Fui servir a uma base quase na fronteira com o Egito, que não é a região mais tensa do território, mas ainda assim suscetível a ataques surpresas e , portanto, merecedora de cuidado. Fiquei por 3 meses lá, patrulando de tanque o deserto - era uma zona desértica, como quase todo Israel - sem nunca precisar atirar em alvo que apresentasse risco iminente para mim, apenas alertava quando alguém entrava na zona que cuidava. Mas eis que no último dia me acontece algo terrível.
Na base ficavam 10 pessoas, a maioria da infantaria; com o tempo e a convivência, ficamos amigos, todos nos dávamos bem. Era uma quinta feira, iríamos ser liberados no fim da tarde de sexta. Como aquele dia estava muito quente, resolvemos antecipar nossa festa de despedida; compramos algumas (muitas) cervejas, geladas, e logo que anoiteceu começamos a beber, todos, inclusive nosso chefe, que, apesar da amizade que criamos, ainda mantinha uma distância de nós - o que era saudável até, por questão de autoridade. Mas naquele dia ele bebeu demais, assim como todos, menos eu; por um acaso, ou por ser piloto, fui o encarregado de buscar mais cervejas no vilarejo próximo, à noite, quase 11 horas. Obviamente, foi muito difícil encontrar; só consegui depois de quase duas horas procurando. Quando cheguei, todos estavam ainda mais bêbados; tinham tomado todas as cervejas e ainda acharam algumas garrafas de vinho esquecidas na despensa. Um sóbrio no meio de um grupo de bêbados se sente um completo idiota, e por isso fui dormir, irritado por terem me preterido na festa.
No outro dia, no horário de todos estarem acordados somente eu estava. Fiquei receoso com a situação (vai que no último dia surja algum perigo...), mas me vesti e saí para minha ronda normal. A surpresa veio quando vi um grupo de rebeledes palestinos escondidos atrás do único morro perto da nossa base. Imediatamente, fui direto para a base contar a péssima novidade. Acordei o pessoal, informei do problema; de ressaca, todos, acordaram ,surpresos, e foram se vestir. O chefe me mandou ir na frente para atrasar os rebeldes, pois era o único que estava vestido. Peguei o tanque e fui, morrendo de medo da situação nova que me esperava, e exigia, uma ação. Quando entrei no tanque, começaram a atacar a base. Na hora, fiz o contra-ataque; não deu resultado, errei o tiro. Eles eram muitos, e , o que é pior, espalhados. O ataque continuou, mas dessa vez o resto do meu grupo revidou, alguns ainda vestindo a roupa do exército, atabalhoados, mas já atirando com a metralhadora.
A batalha se seguiu por algumas horas, até afugentarmos os rebeldes. Mas não sem um saldo negativo: nosso chefe foi atingido no peito e veio a falecer tempos depois. Um dia depois da despensa, juntei todo o meu dinheiro e fui para os Estados Unidos estudar e trabalhar; fiquei um ano lá, tranquei a faculdade e fui viajar, coisa que faço até hoje - como vocês bem podem notar.
* Em depoimento; embora, como diz Borges, o esquecimento e a lembrança são inventivos.
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