terça-feira, novembro 22, 2005

Reportagem

Reportagem do primeiro semestre desse ano sobre o festival "Nossas Expressões", organizado pelo DCE da UFSM. Tentativa de enquadramento daquela velha história de Novo Jornalismo ( que de tão novo já ficou velho há muito tempo) que, na sua mais fácil definição, é aquele relato feito em primeira pessoa com recursos estilísticos "emprestados" da literatura.


Nossas Expressões: o tradicional festival cultural luta para se manter vivo sem se esquecer do passado

Segunda feira, 13 de junho, meio-dia e quatro. Depois de enfrentar longa fila, entrou no Restaurante Universitário, largou a pasta, lavou as mãos e foi comer. Galinha com molho, polenta,arroz, salada, e um mandolate de sobremesa. “Hoje a comida tá boa”, pensou, tentando se lembrar da última vez que tinha visto a polenta que tanto adorava no cardápio do R.U. Almoçou rápido até, em vinte minutos, pegou sua pasta, escovou os dentes no banheiro do prédio da união, e então se deu por conta: tinha uma tenda ali na frente. De lá, saía um som melodioso, imponente, certamente tocado por várias pessoas, já que não enxergava nada de onde estava. Procurou um lugar na multidão, avistou o “palco” – um tablado cinza em cima dos paralelepípedos. Músicos das mais variadas idades tocavam seus instrumentos: a menina de uns 12 anos segurava seu pequeno violino olhando com desconfiança para a platéia; o homem de cabelos brancos tocava e balançava seu violoncelo, quase dançando; a menina da percussão, de uns 20 anos, olhava constrangida para a esquerda da orquestra onde seu pai tirava fotos, orgulhoso da apresentação da filha. Não era tão estranho ter música ao vivo na frente da União, mas a curiosidade lhe fez perguntar para o que estava ao seu lado:
_ Tche, o que é isso?
_ É um festival, Nossas Expressões parece. Esse pessoal aí é a Orquestra Jovem de Santa Maria, pelo que falaram.


Nossas Expressões. Um dos festivais mais importantes do estado nos anos 80, sinônimo de música boa e variada, expressão de rebeldia dos estudantes na época da ditadura militar, cultura alternativa feita, organizada e divulgada por estudantes. Em sua 16 º edição, o Nossas Expressões de hoje guarda duas características dos antigos festivais: quem organiza ainda é o DCE (Diretório Central dos Estudantes da UFSM), e quem ministra as oficinas ainda são os estudantes da UFSM. E só. Para as pessoas que viveram o Nossas Expressões dos anos 80 e do início dos anos 90, o festival de hoje passa longe do furdunço que era naquela época. “O pessoal fazia cartazes enormes,bonitos, divulgava por toda a cidade e o estádio do Inter-Sm, onde por alguns anos aconteceu o festival, sempre estava cheio”, conta Marta Marchesan, estudante naquela época, hoje coordenadora geral da TV Campus.


Criado em 1983 como um festival de bandas, o Nossas Expressões mais tarde incorporou outras atividades culturais em sua programação, como oficinas de teatro e exposições de trabalhos dos estudantes.
“Lembro de tocar com numa das edições que foi realizada no estádio do Inter-Sm. Os shows atrasavam bastante, mas o pessoal ,com chuva e tudo, não arredava o pé”, conta o funcionário do departamento de música, Luis Martins.

Em uma época em que se sabia com clareza quem era o “inimigo” , os estudantes aproveitavam qualquer junção para protestar contra a ditadura e a censura, o que acabava se tornando um incentivo a mais para que eles participassem de eventos desse tipo. Algo que, hoje, não acontece mais. Sendo ligado ao movimento estudantil, um festival do tipo do Nossas Expressões pode servir de “termômetro” da ação dos estudantes. Quando o movimento estudantil era forte, o festival era forte. E o Nossas Expressões foi forte até o início dos anos 90. Depois parou. Hoje, há uma tentativa de retomada das duas partes, do movimento estudantil e do festival. Mas agora não é mais só o contexto político que influencia a participação ou não no festival.Há de se considerar que a opção de lazer e de entretenimento dos estudantes hoje é muito maior. “Hoje a gurizada só quer saber de computador, internet, videogame”, diz Luis Martins. Os estudantes saem do RU, dão uma olhada nas atrações musicais, passam pelas bancas de artesanato e vão para a aula. Não participam mais. São poucos os que ficam em todos os shows, participam das oficinas, assistem as peças de teatro, os filmes. È nítido o empenho dos organizadores, mas também é nítido o desinteresse dos estudantes.Mas não há de se culpar alguém, nem de se lamentar : o contexto é outro, mas o festival continua (tentando) ser o mesmo. Aí que está o problema.


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