terça-feira, novembro 15, 2005

O guardião da sinceridade à serviço dos escravos da verdade

"Nosso amor é tão bonito. Você finge que me ama e eu finjo que acredito."
Nelson Sargento


Sim, realmente é complicado quando se tem pudor demais.

Quando há alguma "forçada de barra", por mais sútil que ela seja, há aquele constrangimento interior que chama consigo o pudor, o medo de se fazer coisas que poderiam até serem encaradas como normais diante de determinada situação, mas que só podem ser consideradas normais se haver uma "mentira" nelas - eu minto e tu acredita, funciona assim. Mas a sinceridade não consegue aceitar que a mentira seja o mais importante pré-requisito de uma situação, por isso ela cria o pudor: uma forma de barreira para a situação mentirosa não passar. É difícil para todo mundo viver numa mentira, mas para determinadas pessoas isso é mais difícil ainda, a ponto delas não admitirem , nunca, a mentira como pré-requisito para se vivenciar certas experiências - e situações que a mentira faz esse papel são bastante normais.

Claro, perde-se com isso. Muitas situações mentirosas são extremamente prazerosas. Outras, começam com uma mentira e se tornam belas verdades. Mas para quem tem o pudor excessivo, ou sinceridade demais, ou são escravos da verdade, não há como aceitar isso, é algo que vem de criança, da educação que nos é dada, de todo um contexto que já deixou suas marcas profundas, que não mais pode voltar atrás.
Há um constrangimento que puxa para fora da situação mentirosa, um alerta, um bip dizendo "isso é uma mentira, não seja ridículo, largue disso", e se não se obedece ao alerta fica-se , a todo tempo, incomodado com a situação, não se aproveita como talvez fosse o devido - a não ser, claro, que algumas substâncias façam com que essa distinção seja imperceptível.

Por isso é tão difícil fingir, por isso o pudor é requisitado a toda hora que a sinceridade percebe uma mentira, por isso o constrangimento até excessivo diante de certas situações a ponto de outros não conseguirem compreender e ficarem chateados com algo que consideram como "caretice" até.
Mais fácil mudar ou mascarar as próprias verdades do que se fazer acreditar em mentiras reconhecidas como tal.

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