domingo, outubro 09, 2005

Uma crônica

Eu fiz essa crônica com a intenção de mandar para um concurso de ex-alunos da UFSM. Como eles abriram para os alunos atuais, pensei em fazer. Mas precisava de um "padrinho" entre os ex-alunos. E eu não consegui nenhum. Então, vou colocar ela aqui mesmo, pelo menos alguém vai ler.

AH! É uma história verídica.

O MATE COM PAIEIRO NO CAMPUS

Certa vez, alguém me disse que fumar um paieiro e tomar um mate no campo, deitado, olhando para o céu muito mais estrelado que o normal na cidade, era algo espetacular e indescritível, daquelas coisas que um homem deve fazer algum dia na vida – assim como plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho, segundo aquele ditado bem conhecido. Como na época não fumava e era um recém iniciado no mate - ainda não era capaz de sentir verdadeiro prazer a ponto de tomar um sozinho – achei que isso era bobagem. Era invenção de quem tinha lido As aventuras de Tom Sawyer, do escritor americano Mark Twain, e resolveu adaptar a situação lida às tradições gaúchas, pensei. No livro, Tom e seus amigos, no desabrochar da flor da infância para a adolescência, tem como um de seus grande prazeres ir para as matas além da vila onde moram, na beira do grande rio Mississipi, e sentar-se por lá, fumando um paieiro. O prazer se dá mais pelo proibido da situação do que pelo prazer propriamente dito causado pelo fumo. Tinha escutado isso há bastante tempo, na minha já distante infância no interior.


Pois bem. Numa dessas andanças de carro pelas noites do inverno santa-mariense, lembrei dessa história. Como naqueles estalos que vêm muito depois de se querer, subia a Fernando Ferrari com mais dois amigos , a cabeça grudada na janela do lado olhando para o céu límpido, quando surgiu a idéia:

_ Vamos fumar um paieiro e tomar um mate no bosque do campus!

Silêncio sepulcral de 3 segundos. A resposta veio do meu lado, no banco do motorista:

_ Ué, vamos. Nesse frio...
_ Fazemos uma fogueira, daí! – disse o de trás.

Todos concordaram.
Passamos em casa, pegamos cuia, térmica, bomba, esquentamos a água. Passei no quarto do meu pai e busquei lá no fundo do roupeiro, dentro de uma caixa de sapato, o fumo em corda e as palhas in natura, saídas direto do milharal . Fomos.

Era depois da meia noite, estava perto duns cinco graus na rua. No caminho, pensamos , dentre outras maluquices, em alguma forma de despistar o guardinha da entrada do campus, que achamos que iria complicar com a nossa presença ali àquela hora . Mas era tão mais fácil falar que íamos visitar um amigo na casa do estudante que nem pensamos em inventar alguma história mirabolante.

Da entrada fácil (nem perguntaram nada, apenas pediram o RG de cada um, sabe se lá pra quê) até estacionarmos em frente à reitoria foram três minutos contados no meu relógio. O campus estava vazio, com algumas poucas luzes e barulhos vindos do primeiro prédio da CEU II , aquele mais antigo.

O bosque praticamente tem só aquelas árvores de tronco alto, com muitos metros acima da nossa cabeça, e isso o torna , principalmente à noite, bastante assustador.
Na entrada, olhei para cima e - eu senti isso, juro – pareceu que as árvores se tornariam enormes guardas com armaduras, lanças e escudos só esperando que entrássemos para desferir o golpe mortal que nos desacordaria, para , no outro dia , início da manhã, algum guarda do campus vir nos perguntar “o que vocês fazem aí a essa hora?”.

Entramos devagar, olhando bem para os lados. Apesar de dar medo, a visão era muito bonita, a claridade do céu estrelado entrava pelo meio das árvores, dando um belo contraste claro/escuro no chão. Era como se estivéssemos num filme preto e branco, e o estar ali , bem no meio do bosque, longe o suficiente pra vermos a saída em um pontinho branco lá no fundo, nos dava a nítida sensação de fazermos parte de um filme de faroeste americano, justamente naqueles momentos da parada para descanso da turma do bandido – que normalmente acontece em matas, para evitar a exposição que traria uma área mais aberta.

Passada a ponte sobre o riachinho, alguns metros à direita da estrada, sentamos num tronco caído, colhemos uns tocos de lenha ali pela volta, e fizemos a fogueira. Sentei, olhei para o céu entre as árvores, vi as Três Marias brilhando como nunca , tirei o fumo em corda. O aroma forte de fumo caseiro que saiu nos embriagou de vontade de fumar. O fogo já estava estabelecido, o mate já começava a rodar pelas seis mãos presentes; piquei todo o fumo, juntei a palha, acendi e soltei aquela tragada forte que só os bons fumos possibilitam. Passei o paieiro, recebi o mate, e aquela água quente na garganta desceu como nunca, deixando o gosto forte e amargo do fumo ainda mais forte e amargo, infinitamente mais agradável.
Nem lembrei mais do frio, do medo, dos bandidos, do contraste, das árvores enormes nos vigiando (ai se elas contam para o reitor!), dos guardas, das luzes já tão longe.

Só levantamos dali quando acabou a água.

2 comentários:

Anônimo disse...

Amanhã vou publicar essa tua crônica no meu blog, com os devidos créditos é lógico, não que milhões de visitantes vão ler, ainda se fossem dezenas de visitantes! Mas acho que os poucos que visitam vão gostar!

Anônimo disse...

Sei que já faz uns 2 anos que você postou isso, mas gostei da crônica, assim como gosto de fumar um cigarrinho de palha delicioso, portanto quando tiver tempo vou publicar em meu blog!