sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Cenas Buenairenses (3): San Telmo

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Plaza Dorrego, San Telmo.



Os pássaros e o cantante de doces

18:28

Tarde de caminhada pela cidade. A temperatura é agradável tendendo a ficar calor, mas coloco o casaco para poder carregar a máquina, os mapas e outros papéis nos bolsos de dentro do mesmo, e não ter de carregar tudo na mão - o que, convenhamos, limita e muito o contato táctil com os lugares por onde passo. Chego no bairro de San Telmo, perto do centro e do rio, conhecido pelos seus inúmeros antiquários, suas ruas estreitas de calçamento e por seus cafés. Cansado, decido me sentar na mesa mais perto da rua numa linda praça cheia de pombos. Sou o único sentado nas mesas, inexplicavelmente. Mas acho que é por pouco tempo. Depois de um tempo descansando e observando os pombos desfilarem como se fosse os zeladores da praça, peço o café. Nem olho o preço. Finalmente achei um lugar que clame espalhafatosamente por um café.


18:41

Mas é barato. $2,50 pesos, mesmo preço daqui. E é bom, como a maioria dos daqui. Vem com água, também como os daqui, e com um potinho cheio de grãos que parecem castanha. Não, não é castanha. Pistache! Lembro do gosto do meu sabor de sorvete preferido. Pistache! Isso não tem nos daqui. E o gosto casa bem com o do café.
As mesas começam a encher. Pai e filho falam uma língua estranha na mesa ao lado; pelos beicinhos que fazem, é francês. No outro lado, três homens conversam animadamente em outra língua; pelo tom de voz alto , é italiano. É próxima do português, acho que mais fácil de se compreender que o espanhol falado - sempre rapidamente - pelos portenhos. Homens de terno e mulheres de tailleurs na mesa a frente vieram provavelmente direto do trabalho; é aniversário de algum deles, cantam parabéns, e levantam as canecas de chope para um brinde.


18:49

Todos os chopes são servidos com uma pequena bandeja de amendoins. Pombos adoram amendoim. Devagarinho, como se fossem na ponta dos pés para não fazer barulho, eles aproximam-se da bandeja; vão pelo chão, pulam (ou voam) nas cadeiras, passam para as mesas, e esperam um bom momento para a aproximação da bandeja e o gozo final, a bicada no amendoim. Mas as pessoas das mesas, vilões de um filme inexistente, não os deixam aproximar. Com as mãos abertas, como se fossem dar umas palmadas num filho malcriado, eles espantam os pombos, que não desistem: começam o percurso novamente, indo para o início do rotineiro circuito-fechado-em busca-do-prazer.


"Parece una película de Hitchcook, Los Passaros"


19:08

Nem sinal de escurecer, os franceses vão embora da mesa. É a hora: os pombos atacam, sobem desesperados na mesa e bicam sem parar os amendoins e os próprios pombos na busca de mais amendoim para si. Chega o garçom, junta o prato e joga os amendoins no chão, os pombos vão atrás, se esbaldam rapidamente. Voltam a vigília das outras mesas; uma bandeja de amendoim é pouco.


19:42

O café acabou, os pistaches acabaram, a água também. Os pacotinhos de açúcar não, e a animação nas mesas começa a aumentar. Um vendedor de balas e outros doces passa de mesa em mesa com seus produtos. Ele não está se importando muito em vender, quer agitar; começa a cantar uma música com uma voz que surpreende pela suavidade e afinação. Pede para que o pessoal da mesa o acompanhe. É a mesa do aniversariante. Animados que já estavam, o pessoal de terno e tailleurs canta, seguindo o maestro vendedor de doces. Todas as outras mesas guiam seus olhares para lá, com sorrisos que vão do tímido "que constragimento!" a gargalhadas "que engraçado, o aniversariante cantou a estrofe errada!". O vendedor pede aplausos e eles surgem, esparsos, mais tímidos que os sorrisos de antes.


19:56

Penso em ir embora, mas o vendedor agora está em outra mesa conduzindo a cantoria. Uma mesa maior, mas não tão animada, pois só duas pessoas parecem cantar. O aplauso vem mais fraco que antes, e o vendedor, agora assumindo o papel de animador de um auditório ao ar livre, pede, para toda a praça ouvir, que se escolha qual mesa cantou melhor. Aplausos mais intensos para a primeira mesa, inclusive o meu. O vendedor levanta a mão do aniversariante, sob palmas, assobios e até gritos de todos os seus colegas de trabalho, parabenizando pela vitória na cantoria. Mas não dá nenhum doce de prêmio.

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Um comentário:

Velho da Montanha disse...

muito massa los textos desde argentina,como diriam os hermanos.

to voajando contigo, através do blog (se eh q tu me intend, hehehe!)

abraço